Qual foi o último filme que viram ?

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alan_smithee
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by alan_smithee »

Nos últimos meses vi (e revi) cerca de 35 filmes brasileiros. Fiquei um pouco desiludido. Se é verdade que a qualidade média é bastante alta, apenas dois ou três filmes teriam uma nota abaixo do sete, por outro lado, existem poucos filmes realmente extraordinários. Apenas três se adequam a essa designação.

Este é o meu Top Tem brasileiro

10 - Casa de Areia (2005) - Andrucha Waddington 8/10
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9 - O Pagador de Promessas (1962) - Anselmo Duarte 8/10
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8 - O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969) - Glauber Rocha 8/10
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7 - Assalto ao Trem Pagador (1962) -Roberto Farias 8/10
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6 - Cidade de Deus (2002) - Fernando Meirelles 8/10
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Aos cinco restantes vou adicionar um pequeno texto, mas por manifesta falta de tempo, e porque escrever um texto dá sempre algum trabalho, limito-me hoje ao 5º da lista. No próximo domingo coloco um texto sobre o 4º e assim sucessivamente.

5 - Tropa de Elite (2007) - José Padilha 8/10
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Tropa de Elite é um dos mais corajosos filmes recentes. Poucos realizadores têm a coragem de fazer o que José Padilha fez, indo a fundo nos verdadeiros podres da engrenagem social de seu país, sem o receio de poupar quem quer que seja. Padilha atira contra todos: classe média, governo, polícia e, claro, os próprios criminosos.

O filme não pretende apontar heróis e vilões; aqui, todos têm seu lado bom e mau. Ao tratar os personagens como humanos, com seus interesses pessoais e fraquezas, com a ausência do moralismo na sua construção, Tropa de Elite torna-se mais real e palpável aos olhos do espectador.

Desta forma, Tropa de Elite consegue construir um revelador e apavorante panorama geral do conflito entre o tráfico de drogas e a polícia, apresentando um círculo vicioso sem qualquer final aparente, e revelando que o papel de cada um de nós no funcionamento da criminalidade, é muito maior do que se pode imaginar.

E o que mais impressiona, especialmente para um cineasta que se estreia, é que Tropa de Elite tem uma narrativa incrivelmente fluida, ainda que complexa. Explorando uma história não-linear, José Padilha cria um filme ágil, nervoso, que deixa o espectador sempre atento. Para isso usa um estilo cru, sem qualquer glamour, extraindo o máximo de realidade em cada cena. A câmara tremida e a fotografia suja jogam o espectador directamente neste mundo desconhecido para a maioria e o resultado causa um impacto bastante grande. Além disso, ao empregar frequentes cortes secos durante os diálogos em uma mesma cena, Padilha cria um tom constante de urgência e nervosismo, o que é fundamental numa história como esta.

Desde o início, o espectador toma contacto com uma filosofia sem floreios, que nega qualquer forma de retórica. Capitão Nascimento é um herói-vilão embrutecido pela violência, sofre dos nervos, e procura um substituto para sair do Bope, para poder criar seu filho. Wagner Moura encarna perfeitamente esse cruzamento de herói e vilão, que odeia policiais corruptos, que quer matar a classe média que faz campanhas contra a violência, mas compra drogas aos traficantes e não se intimida em usar a tortura para obter uma confissão. Politicamente incorrecto, é um personagem real, repleto de contradições. É um filme directo que coloca as coisas em seus lugares. Primeiro, a corrupção policial é bem retratada. Segundo, os bandidos são bandidos, e não vítimas do sistema.

O filme coloca-nos uma pergunta pertinente.
Será que chegamos a um ponto no qual, lamentavelmente, a Sociedade precisa de monstros (como o Bope) para garantir sua continuidade?
Se você agir sempre com dignidade, pode não melhorar o mundo, mas uma coisa é certa: haverá na Terra um canalha a menos. Millor Fernandes
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by dragoonfire »

Acabei de ver Identidade Misteriosa.

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Gostei bastante.
E o final é que foi...
Adorei.
Grande Guru
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by Grande Guru »

Andre007 wrote:Acabei de chegar do El Corte Ingles, fui há antestreia do novo filme do Pedro Almodovar, com o Antonio Banderas e adorei, que história, gostava que vissem e dessem depois uma opinião.

Há um tópico próprio para esse filme, as restantes opiniões são capazes de por lá aparecerem.
alan_smithee
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by alan_smithee »

Continuação do Top Ten brasileiro

4 - O Céu de Suely (2006) - Karim Ainoüz 8/10

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"O Céu de Suely" é uma pequena pérola dramática, que documenta a vida de uma jovem, numa pequena cidade do nordeste. Apostando numa narrativa curta, bastante simples e muito lúcida, o cineasta Karim Aïnouz baseia o seu filme, na construção de uma personagem complexa, que se sente a margem do seu próprio mundo. Tudo enquadrado numas muldura poética e universal.

Hermilia regressa a Iguatu (uma pequena cidade nordestina) vinda de S. Paulo. Regressa com um filho nos braços e espera pacientemente pelo marido, que nunca chegará. Sozinha, e sem expectativas de futuro, decide rifar o seu próprio corpo. Com o dinheiro do sorteio, pretende abandonar Iguatu, e partir a procura da tão sonhada felicidade. Ela não tem um destino certo, sabe apenas que esse destino está bem longe de Iguatu.

Em "O Céu de Suely", acompanhamos a trajectória de uma personagem, que vive aprisionada num universo de monotonia e desilusão. De certa forma ela busca uma identidade, e o filme é exactamente esse processo de auto-conhecimento. A história poderia ter sido contada num estilo novelesco, mas Karim Aïnouz, opta por um caminho muito mais interessante, a narrativa dos silêncios, das poucas palavras, dos cortes precisos, das cenas contemplativas e dos planos do rosto da jovem Hermilia.
O filme não dá respostas. Apoiado na sua narrativa lenta, desafia o espectador a olhar para o interior das personagens e compartilhar as suas esperanças e desilusões.

A fotografia merece realce, porque é grandiosa na sua luminosidade e na forma como enquadra os actores dentro do espaço.

Mas o filme só funciona porque o talento de Hermilia (a actriz principal tem o mesmo nome na vida real) é enorme. Mostrando uma intensidade arrebatadora, e uma naturalidade tocante, Hermilia cria uma personagem marcante, imatura, confusa, mas que se torna extraordinariamente real ao longo do filme.

Sendo uma produção com um orçamento muito limitado, ficamos muitas vezes com a sensação, de que estamos a ver um filme semi-amador. E estranhamente este aspecto acaba por fortalecer o filme, porque tornando-o imperfeito, confere-lhe um maior humanismo, aproximando muito mais as personagens do espectador.

Para acabar em beleza, o plano final é belíssimo, e bastante adequado ao percurso de Hermilia.

É um filme poético, muito equilibrado e bastante simples. Três aspectos que quando juntos, tornam um prazer a visualização de qualquer filme.
Last edited by alan_smithee on November 21st, 2011, 7:51 pm, edited 1 time in total.
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by rui sousa »

Vi pela 12.ª vez (se não estou em erro) a obra-prima (na minha opinião) de Charlie Chaplin «O grande ditador», uma poderosa e corajosa sátira aos regimes ditatoriais e em particular o nazismo. É um filme antigo, claro, mas a mensagem de esperança e paz que transmite é comum a todas as épocas e países. Este filme é daqueles que, decada vez que vejo, descubro ou aprendo sempre qualquer coisa nova. Vale muito a pena ver este filme.

Nota: *****
butterfly swimmer
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by butterfly swimmer »

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O meu 52º filme do Takashi Miike, já só tenho mais 7 para ver e o resto é impossível de encontrar.

7/10
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TrinityA
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by TrinityA »

alan_smithee wrote:5 - Tropa de Elite (2007) - José Padilha 8/10

Tropa de Elite é um dos mais corajosos filmes recentes. Poucos realizadores têm a coragem de fazer o que José Padilha fez, indo a fundo nos verdadeiros podres da engrenagem social de seu país, sem o receio de poupar quem quer que seja. Padilha atira contra todos: classe média, governo, polícia e, claro, os próprios criminosos.

O filme não pretende apontar heróis e vilões; aqui, todos têm seu lado bom e mau. Ao tratar os personagens como humanos, com seus interesses pessoais e fraquezas, com a ausência do moralismo na sua construção, Tropa de Elite torna-se mais real e palpável aos olhos do espectador.

Desta forma, Tropa de Elite consegue construir um revelador e apavorante panorama geral do conflito entre o tráfico de drogas e a polícia, apresentando um círculo vicioso sem qualquer final aparente, e revelando que o papel de cada um de nós no funcionamento da criminalidade, é muito maior do que se pode imaginar.

E o que mais impressiona, especialmente para um cineasta que se estreia, é que Tropa de Elite tem uma narrativa incrivelmente fluida, ainda que complexa. Explorando uma história não-linear, José Padilha cria um filme ágil, nervoso, que deixa o espectador sempre atento. Para isso usa um estilo cru, sem qualquer glamour, extraindo o máximo de realidade em cada cena. A câmara tremida e a fotografia suja jogam o espectador directamente neste mundo desconhecido para a maioria e o resultado causa um impacto bastante grande. Além disso, ao empregar frequentes cortes secos durante os diálogos em uma mesma cena, Padilha cria um tom constante de urgência e nervosismo, o que é fundamental numa história como esta.

Desde o início, o espectador toma contacto com uma filosofia sem floreios, que nega qualquer forma de retórica. Capitão Nascimento é um herói-vilão embrutecido pela violência, sofre dos nervos, e procura um substituto para sair do Bope, para poder criar seu filho. Wagner Moura encarna perfeitamente esse cruzamento de herói e vilão, que odeia policiais corruptos, que quer matar a classe média que faz campanhas contra a violência, mas compra drogas aos traficantes e não se intimida em usar a tortura para obter uma confissão. Politicamente incorrecto, é um personagem real, repleto de contradições. É um filme directo que coloca as coisas em seus lugares. Primeiro, a corrupção policial é bem retratada. Segundo, os bandidos são bandidos, e não vítimas do sistema.

O filme coloca-nos uma pergunta pertinente.
Será que chegamos a um ponto no qual, lamentavelmente, a Sociedade precisa de monstros (como o Bope) para garantir sua continuidade?
Excelente comentário, alan_smithee. De facto, também achei uma grande coragem o apresentar os criminosos como tal e não (só) como vítimas da sociedade. Esse tom é dado logo no início, quando ouvimos a voz off do polícia descrever a arma que um dos traficantes da favela usa: é uma metralhadora calibre tal, o que faz dela uma arma de guerra. Ou seja, o que vamos ver não é um drama de tribunal ou de polícias - é uma guerra que é combatida todos os dias. Coragem sobretudo porque naturalmente já saberia que a maior parte da crítica e da opinião intelectual iria assim rotular sumariamente o filme de "fascista". Gostei imenso deste filme e do Tropa de Elite II.
Obrigado também por estares a dar-nos a conhecer uma das filmografias mais próximas mais ao mesmo tempo mais desconhecidas de nós.
-----------------------
Annina: Monsieur Rick, what kind of a man is Captain Renault?
Rick: Oh, he's just like any other man, only more so.
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by alan_smithee »

TrinityA wrote:Coragem sobretudo porque naturalmente já saberia que a maior parte da crítica e da opinião intelectual iria assim rotular sumariamente o filme de "fascista".
Spoilers: Sabes aquela cena no final, em que um dos elementos do Bope, com a arma apontada a cabeça do criminoso, hesita entre o disparo ou o recolher dar arma?
Eu estava a "torcer" pelo disparo. Eu, que sou um tipo bastante pacífico e tenho aversão a actos de violência.
Ora, quando um filme revela em mim, aspectos que eu até desconhecia, eu só posso estar grato a esse filme. É muito mais recompensador assistir a filmes deste género, que revelam algo de nós próprios, e incitam a discussão, do que assistir a corrente politicamente correcta, que grassa a maior parte do cinema, em particular, o norte americano.
TrinityA wrote:Gostei imenso deste filme e do Tropa de Elite II.
Também gostei bastante do Tropa de Elite II. Poderia perfeitamente estar neste Top Ten.
TrinityA wrote:Obrigado também por estares a dar-nos a conhecer uma das filmografias mais próximas mais ao mesmo tempo mais desconhecidas de nós.
Também era desconhecida para mim, até há pouco tempo atrás. Por ex. o filme que mais gostei, há dois meses atrás nem sabia que exista. E é um filme extraordinário.
É um filme que foge a qualquer padrão estético, que não se encaixa em género nenhum, que foge aos conceitos narrativos que estamos acostumados. É um filme muito literário, bastante violento, duma plasticidade impressionante e de uma beleza que nem fazem ideia. Digamos que o melhor do teatro, da poesia, da fotografia, da música, fundem-se para nos proporcionar perto de três horas de cinema da melhor qualidade. No cinema falado em português não existe nada semelhante em termos de estética, nem nada que se aproxime em termos de qualidade. E no entanto, como atrás mencionei, é um filme semi-desconhecido.
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by Bladder »

A selecção de filmes aqui está algo de fascinante.

Sobre o cinema brasileiro queria sugerir ainda o visionamento dos incontornáveis:

- Pixote - a lei do mais fraco (hoje em dia ainda provocante);

- Lúcio Flávio - o passageiro da agónia;

- O Beijo da Mulher-Aranha.

todos de Hector Babenco.
Disclaimer: As opiniões aqui expressas são de minha inteira responsabilidade e não refletem, necessariamente, a opinião do Fórum.
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by butterfly swimmer »

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Adorei! É impressionante como o filme tem 4 horas e meia mas nunca se arrasta, é tão absorvente! A fotografia é negra e bonita, os cenários e o guarda-roupa são soberbos e a história é épica (foi engraçado ver como tudo se vai encaixando até ao final). Os actores fizeram também um trabalho excelente e os diálogos estavam fixes. Não tinha uma experiência cinematográfica como esta desde o Love Exposure. 9/10

E continuo também na minha quest de filmes do Takashi Miike

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8/10

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7/10

E de godzillas:

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Um dos mais estranhos até agora, a luta final foi brutal lol. Depois de vermos o godzilla a chutar pedras contra os seus inimigos e a desviar-se de tiros, neste filme ele... voa! Mal posso esperar pelo último filme da saga :lol: 5/10
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by rui sousa »

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«A última tentação de Cristo» é, na minha opinião, uma das melhores versões cinematográficas da vida de Cristo que tive o prazer de contemplar até hoje. Além de ser um filme muito bonito, baseado no controverso livro de Nikos Kazantzakis (se bem que tudo o que envolva Jesus Cristo é provável que seja causador de controvérsia), é uma história baseada nas Escrituras (podemos ver alguns episódios reais da vida de Cristo no filme, como a ressurreição de Lázaro ou a crucificação), que nos dá uma visão da vida de Cristo mais real e humana. Eu, como crente, digo-vos que imagino que Ele tenha sido uma figura assim, uma pessoa simples e mais humana. E por isso gostei do filme. Um pouco pesado em certas partes, é verdade, mas não deixa de ser um filme belíssimo, com um excecional trabalho de realização do Mestre Martin Scorsese. Recomendo vivamente «A última tentação de Cristo», um filme um espantoso e excelente épico bíblico.

Nota: *****
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by Cabeças »

e eu do Marty tenho para ver o filme-documentário sobre o George Harrison, mas ainda não tive tempo... já alguém viu?
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rui sousa
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Post by rui sousa »

Também gostava de ver. Foi muito elogiado :)
alan_smithee
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by alan_smithee »

A propósito de alguns filmes brasileiros mencionado aqui no tópico, como Tropa de Elite II ou Pixote - a lei do mais fraco, deixo aqui uma pequena lista de outros filmes, que podiam estar neste top ten, pois a sua classificação é idêntica (8/10):

Vidas Secas (1963) - Nelson Pereira dos Santos
Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) - Glauber Rocha
Pixote, a Lei do Mais Fraco (1981) - Hector Babenco
Ilha das Flores (1989) - Jorge Furtado
Central do Brasil (1998) - Walter Salles
Edifício Master (2002) - Eduardo Coutinho
O Invasor (2002)- Beto Brant
Jogo de Cena (2007) - Eduardo Coutinho
Tropa de Elite 2 (2010) - José Padilha

Os três filmes que restam do top, digamos que estão um degrau acima de todos os já mencionados. São três filmes extraordinários. Como estava indeciso, entre o 3º e o 2º lugar, não vai haver 3º mas dois 2º exequo.


Continuação do Top Ten brasileiro

2 - (exequo) Abril Despedaçado (Walter Salles) 2001

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Abril Despedaçado convida o espectador a entrar num tempo e num espaço, algures no sertão nordestino brasileiro. Num filme marcado por horizontes vastos e diálogos ponderados, em que cada cena se aproxima de uma pintura, e que cada diálogo está próximo do mundo da poesia, Abril Despedaçado conta a história de duas famílias em luta constante pela posse da terra. Geração após geração eles combatem e se assassinam mutuamente. É uma história de violência, de códigos de honra, de mortes inúteis. E a dificuldade que as personagens têm para se libertar desses códigos, das tradições, dessa espiral de violência sem fim.

Abril Despedaçado é aquilo que podemos chamar de uma verdadeira preciosidade. É cinema em todo o seu esplendor, com uma interligação perfeita entre imagens e sons, por parte de um realizador talentoso. O filme é admirável no seu conteúdo denso e bastante simbólico, em que a figura do herói, que tenta romper o ciclo de violência, nos faz lembrar as "tragédias" gregas.

O trabalho de realização é espantoso. A câmara parece estar sempre colocada no sítio certo, a maneira com são enquadradas as personagens, e como são compostos os planos só está ao alcance de um realizador muito talentoso. Existem tantos enquadramentos espantosos neste filme que é impossivel nomear só um: A roda dos bois, que gira lentamente, sem sair do lugar, hipnotizando o espectador; a caminhada solitária do menino Pacu na madrugada fatídica; Tonho no baloiço; Clara a rodar cada vez mais rápido na corda do circo; os dois rivais a correrem pelo mato fora (num trabalho de montagem nótavel), onde temos alternadamente o ponto de vista de um e de outro, que se unem de forma magistral no final.

A fotografia, sempre num tom amarelo, que faz literalmente o calor sertanejo sair do ecrã, encontra beleza em todo o que aponta, sejam as paisagens désérticas do sertão, sejam as faces dos personagens.

Em Abril Despedaçado, estamos num mundo, que tem como base da ordem social, a violência. Mas Salles consegue inserir nesse mundo violento, um romantismo sincero e poético de forma bastante harmoniosa. Neste aspecto penso que é o filme mais conseguido e mais bem acabado de Walter Salles.

Sendo um filme, em que a morte é uma constante, Abril Despedaçado é acima de tudo, uma grande celebração da vida.

9/10
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Re: Qual foi o último filme que viram ?

Post by Samwise »

Desfazendo um jejum de duas semanas, ontem vi dois filmes de Jean-Luc Godard, e, por pura coincidência, calhou serem duas faces da mesma moeda, focando uma mesma temática de duas perspectivas diferentes, uma comédia e uma tragédia, mas mantendo uma séria de características comuns, nomeadamente no que refere a trejeitos técnicos e artísticos. O que me surpreendeu foi mesmo haver um nível tão grande de "intercalação" entre os dois filmes, já que desconhecia por completo as suas história (tenho por hábito ler pouco ou nada sobre os filmes que ainda não conheço - e prefiro partir do ponto base do desconhecimento completo, para poder em teoria ser presenteado com aquilo que é a vantagem maior da ignorância: o prazer de descobrir :mrgreen: ). Mas adiante, são eles Une Femme est une Femme (a comédia) e Le Mépris (a tragédia, neste caso pegando directamente pelos chifres na sua influência maior, a Odisseia, de Homero). Dois filmes que podem ser vistos de forma independente, mas que crescem um com o outro se lhes prestarmos a devida atenção conjunta.

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Nos dois casos, no centro das atenções está um casal às voltas com uma crise matrimonial em que a incapacidade de comunicação, de exprimirem convenientemente aquilo que sentem e não sentem, e a inexistência de palavras que o possam fazer de forma eficaz, desafia e condiciona (ou melhor, liberta) o modo como Godard utiliza a sua própria técnica para as filmar. As sequências no interior do apartamento, espantosas, repetidas de um filme para o outro, embora vistas sob estados de espírito diferentes, pelo menos à superfície, são uma prova concreta da sua plena capacidade em explorar o espaço, em retirar sentimentos e significados não só das personagens mas da ocupação territorial dos quadrantes comuns que habitam, e no qual se guerreiam e se amam. O que resulta é uma abordagem inovadora para altura, e ainda de uma frescura invejável passadas que estão quatro décadas, com "apropriações" e liberdades técnicas (a que só podemos chamar "Godardianas") ao nível da edição da imagem e do som que desafiam (desprezam?) o modo narrativo convencional - e os nossos sentidos - e que nos ligam emocionalmente às personagens por outras vias (um belo estudo daria certamente o uso das cores nestes dois filmes, e a sua representatividade para os géneros sexuais e para as suas manifestações comuns, quer explícitas, quer ocultas - o azul e o vermelho, impondo-se um a ao outro, agredindo-se, misturando-se, fingindo uma coisa no lugar de outra, e frequentemente partilhando entre si pequenos pedaços de forma harmoniosa, com a imensidão branca do espaço arquitectónico atrás de si - "français", como diz logo no genérico de um dos filmes), carregada de referências e influências artísticas vindas dos mais diversos quadrantes (e que não poucas vezes traça paralelos à realidade "fora do filme" - pensemos em Fritz Lang, pensemos no "seu assistente de câmara", pensemos em Bertolt Brecht e em Brigitte Bardot, pensemos na multiplicidade de significados de "desprezo", pensemos na Anna Karina do primeiro filme e na peruca morena que Bardot enverga no segundo, pensemos ainda na própria relação entre Godard e Karina na vida real), intercalados numa matriz que tudo "reduz" - incrivelmente - a um mesmo plano referencial de representação, entre a paródia e a seriedade, entre o choro e o riso, entre o amor e a falta dele - certezas bem claras e objectivas num determinado momento, para logo no seguinte tudo se desfazer e reconstruir de forma diferente - a "maldição" da condição humana, na sua eterna insatisfação e na busca perpétua daquilo que não pode alcançar, filmada por Godard e aplicada em primeira mão ao universo conjugal.

Fica um alerta - não façam destes dois filmes os primeiros a ver de Godard, se for esse o caso, ou sem conhecerem minimamente o que foi feito por outros sob a égide da "Nouvelle Vague", em particular Truffaut, porque vão ficar a ver navios quanto a uma série de referências cinéfilas e artísticas. Mesmo assim, há algumas que são realmente obscuras e que vão bem mais longe no alcance, como por exemplo a ideia de ligar o nome de um clube nocturno - Vera Cruz - ao nome de Burt Lancaster, no meio de uma conversa sem grande importância.
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.

«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death

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