Arrival (2016) - Denis Villeneuve

[Samwise]

Uma coisa que não percebi de todo:

Supostamente, o Pai separa-se da Mãe no momento que ela lhe revela que consegue ler o futuro e que sabe que a filha vai morrer quando for adolescente. Para ele isto é uma traição porque ela não o revelou no momento em que ambos concordam ter um filho, mas apenas uns anos mais tarde.

Ora, se isto se passa uns anos mais tarde (nós sabemos que o Pai fica zangado com a Mãe porque a miúda, aí com uns 5 ou 6 anos, diz à Mãe que o Pai não a está a tratar como anteriormente), então porque é que o Pai por essa altura não consegue também já ler o futuro? A Amy demorou semanas até ficar com o cérebro formado/formatado para o conseguir, e ele, com os mesmos exactos estímulos, capacidade de estudo e acesso aos mesmos diagramas que ela, não vai lá nem em 5 ou 6 anos. É no mínimo estranho.

Ponto dois, então o Pai zanga-se com a Mãe e abandona a filha assim sem mais nem menos? Nem na altura da morte da miúda ele aparece presente? Talvez isso seja uma necessidade do argumento que de certa forma trai a lógica emocional de uma relação pai-filho (curiosamente sucedia a mesma coisa no Interstellar). Ou seja, para que o espectador não perceba o que se está a passar logo de início, os argumentistas resolveram retirar o pai das visões futuras da mãe, e para tornar a coisa coerente do ponto de vista narrativo, inventaram essa zanga, que inversamente torna depois lógica emocional incongruente. Manipulação desonesta, então, também se verifica...

Aqui eu julgo que a Amy ganha esse poder/capacidade, não através do estudo dos diagramas, mas na cena em que o alien lhe oferece um presente, e ela toca no vidro.
É a partir dai que ela passa a ter esse poder de compreender os diagramas e a linguagem dele.
Esse "presente" nunca foi oferecido ao Pai, foi isso que pensei.

Em relação ao ponto dois, deve haver quase de certeza uma cena apagada que explique melhor isso, acho que há algo mais nessa separação que não nos é dado a conhecer para manter o filme nos clássicos 110 minutos... era algo que iria compor melhor as personagens, mas que não iria influenciar a história principal do filme

Em relação ao ponto dois, talvez, mas vamos aguardar para ver se sai uma versão mais longa. Eu acho que vão ter de dar algumas piruetas lógicas para conseguirem explicar isso.

Em relação ao "presente" e ao toque no vidro:

O toque no vidro foi logo no segundo ou terceiro encontro, e permitiu fazer avançar a comunicação entre as partes. Até aí estavam a basear-se em letras, e após essa aproximação os aliens começaram a deitar tinta (quais polvos assustados ). Ou seja, esse facto não acrescentou nada à percepção da Amy, apenas permitiu saltar para um novo estádio de abordagem de aproximação.

O "presente", pelo que me recordo, foi aquele diagrama hiper complexo que o Abbot (o Costello nesta altura já tinha morrido - supostamente vítima da explosão) disponibilizou à Amy, e que o Renner depois ajudou a descodificar. Mas... há aqui um pormenor que pode explicar o que pretendemos: a Amy, nessa altura, esteve sujeita às condições atmosféricas Alien (já que a sala com o vidro separador ficou destruída com a explosão). Ela respirou aqueles gases, e passou a conseguir exprimir-se muito melhor, sem tradução necessária, quando esteve junto do Abbot. Talvez isso lhe tenha dado o "boost físico" e cerebral necessário para assimilar mais rapidamente a linguagem.

O "presente", o tal diagrama, era A "ferramenta", a fórmula para que toda a humanidade pudesse aprender a ver a sua linha temporal, o que pressupõe que de facto havia essa margem de aprendizagem/evolução em todos, e logo, também no Renner (5 ou 6 anos parece-me então excessivo)...

Mas tenho de ver novamente o filme, para saber se isto encaixa nas minhas memórias.

[Samwise]

Finalmente, a minha outra grande dúvida:

O poder/capacidade de ver ao longo de toda linha temporal era apenas uma espécie de recuperar memórias, ou era algo físico, com capacidade para interação e modificação da realidade?

Em primeiro lugar dá-me ideia que não eram simples lembranças. Era algo muito mais poderoso, que envolvia a perda completa do sentido de orientação, ou seja, que colocam de facto a Amy noutro tempo e lugar.

Em segundo, numa dessas viagens, ela pergunta à filha em que data está. Ou seja, ela altera a realidade naquele momento porque tema noção de que houve um "salto" e necessita de se contextualizar - não é uma simples "memória".

[Samwise]

Ainda a propósito dos nomes, há aqui uma piada que transcendeu o contexto do filme...

Em resumo:

Os nomes atribuidos pela Amy ao aliens eram uma homenagem/paródia ao Abbot&Costello, e à sua rábula que simulava uma situação de impossibilidade comunicativa, de forma absurda, ao criar ambiguidades através dos termos utilizados.

Os tradutores que elaboram as legendas em português, ao erraram na "tradução" de Abbot e Costello (chamando-lhes de Bucha e Estica), cortaram pela raiz a piada contida no filme.

Em cima de um contexto que parodiava uma falha de comunicação, os tradutores introduziram, inconscientemente, uma outra falha de comunicação, impedindo que a primeira falha, enquanto piada, fosse sequer percebida pelos espectadores.

É também por isso que é engraçado debater estas coisas.

[Samwise]

João, a questão da cura...

Mais um pormenor que achei interessante, embora neste tipo de filmes seja impossível deixar de entrar depois em paradoxos: uma pessoa para quem o Tempo não fosse linear, poderia ficar para sempre no períodoTempo que quisesse, na minha opinião! Portanto ela poderia ficar sempre com a filha, e dentro "desse" tempo poderia alterar sempre o que quisesse. Por outro lado, o Abbot e o Costello, que também tinham uma perspectiva de tempo não linear, já saberiam desde sempre tudo o que se iria passar no período de tempo específico em que decorreu o contacto. E já saberiam também o resultado do que se irá passar decorridos os tais 3 mil anos. A ideia que dá é que se limitam a representar um papel que sabem que têm que representar por que o "guião" já está escrito...". E com uma tal percepção acrescida, a Amy não poderia ver um futuro onde a cura para o problema da filha já tivesse sido resolvido?...

Fiquei com a ideia de que a Amy apenas conseguia consultar a "sua" linha espaço-tempo, correspondente, de outro modo, a toda uma vida de memórias próprias acumuladas.

Uma vez que ela tem acesso à informação de que a filha vai ter uma doença, das duas uma, ou conseguia prevenir a tempo a ocorrência da doença, por intervenção anterior ao diagnóstico médico onde se descobre a doença, ou poderia, através de conhecimentos adquiridos no futuro, informar no passado os médicos sobre os procedimentos de cura adequados. Mas, em qualquer uma das situações, poderia à mesma não haver solução que evitasse a morte da filha. Na primeira situação, podemos admitir que a doença iria sempre aparecer e desenvolver, por mais antecipação e prevenção que fossem tentadas, e na segunda situação podemos admitir que uma cura não estaria disponível/descoberta em todo o espaço temporal de vida da Amy (logo, ela não teria acesso a um processo de cura).

Ou seja, o filme tem margem para permitir que o cenário de morte certa se mantenha sem que isso seja um erro de lógica/continuidade.

[Ludovico]

@Ludovico desculpa ter editado o teu post, mas a questão da comparação que levanto coloco-a sempre em spoiler :) para não deixar influenciar ninguém. Foi mesmo só isso que fiz, colocar a tag spoiler no teu post e no post seguinte do Samwise que cita o teu.

Não era necessário pedir desculpa.Fizes-te bem

[Ludovico]

Para mim,este filme é uma enorme DECEPÇÃO e eu não esperava isso.
Denis Villeneuve é,para mim, o melhor realizador a trabalhar em Hollywood. Fez,para mim,só filmes ASSOMBROSOS OU MUITO BONS até agora.Com Arrival,porém, borrou a pintura toda de uma forma infeliz.
Para mim, este filme DÁ TUDO AO ESPETADOR,isto é, está tudo bem explicadinho em termos narrativos.

Ludovico, aqui eu confesso-me bem mais "burro" do que tu, pois como disse muito do que vi... tive de deixar passar um tempo para perceber.
Aliás não fosse o link aqui colocado, e alguns posts vossos e posso dizer que teria de rever o filme mais vezes para perceber os "twists" (é só um) da história
Percebo a tua opinião, e nem discutirei cinema contigo pois a tua cultura cinematográfica é muito maior do que a minha, mas se calhar neste caso: 1) Ou viste um filme muito mais direto do que eu 2) Ou então pura e simplesmente o viste num mau dia (coisa que me acontece a mim variadas vezes e dou por mim volta e meia a ver um filme que detestei segunda vez e a perceber melhor o porquê de outros gostarem do mesmo)
Mas não concordo nada em que digas que dá tudo ao espectador...

Eh,eh,eh .Rui,podes ter a certeza que se havia filme que adoraria ter amado de paixão era este filme.
Fui à sala cheio de empolgamento antes de o ver.Afinal é o realizador do "Raptadas-Prisioners",quer é somente um dos meus favoritos filmes desta década de cinema tendo também a impressão que o Cabeças e tu devem adorar.
É o realizador de "Incendies-A Mulher que Canta" que é quanto a mim dos mais extraordinários filmes que se fizeram sobre o que se passa no Médio Oriente.É o realizador da melhor adaptação de sempre de um livro de José Saramago a cinema que é "O Homem Dúplicado-Enemy".
Bem,em suma, estava empolgado por ser ficção cientifica do melhor.
Decididamente,deverás ter visto mais filmes de que eu e eu estou a léguas do conhecimento de colegas de fórum também.
Ainda bem que eu vi um filme diferente de vocês porque senão isto não tinha graça nenhuma.
Eu não vi o filme num mau dia quem me dera que assim fosse.O mal é que Hollywood trabalha as histórias de ficção cientifica com a papinha toda feita e eu não gosto disso.Gostei pouco de Interstellar,de Perdido em Marte e agora deste Arrival pela mesma razão:Dão tudo ao espetador com outra nuance:
Prometem revolucionar e fazem o contrário. o que contam é tão INCONSISTENTE E TÃO FORA DO RAZOÁVEL que o liquidam de vez.Pouco neste Arrival se aproveita,para mim,claro.Valem os desempehos e tecnicamente.
Porque a história nada acrescenta de novo,e mais ainda,o filme não tem nada de CREDIVEL NO QUE CONTA.
É pena.Uma invasão extraterrestre da forma como é mostrada e contada não tem um mínimo de cabimento.
Falam no TEMPO.Eu pergunto:Não é levar longe demais e além do razoável como mostra o filme?.Para mim, é.
Depois o final do filme é claramente forçado,apressado.Enfim,não um mau filme mas é somente um filme assim assim.Nem aquece nem arrefece.Mas ainda bem que as pessoas adoram o filme porque haverá outros filmes que acontece o contrário.O último grande filme de ficção cientifica que vi recente foi "Gravidade" porque as coisas estão muito equilibradas em termos narrativas além de ser um grande espectáculo de ver.
Enfim,este Arrival tem tantas inconsistências, tantos buracos na história e da maneira como a conta que fiquei agastado com o final fazendo um balanço final é DESAPONTANTE.
Mesmo assim,conto ver o Blade Runner e o facto de ser Villneveuve o realizador deixa-me em pulgas,mesmo tendo feito o pior filme até ao momento da carreira ainda curta.

[Samwise]

Ludovico, mas tu só vais saber que estavas num "dia mau" quando vires o filme num "dia bom" - e decorrente do novo processo de visualização, seres dominado por dois sentimentos: o de exultação, pelo facto do filme ser mesmo tão bom e de te ter preenchido tanto intelectualmente, e o de (in)compreensão, por teres agora consciência de que realmente estavas num dia mau da primeira vez...

(também pode suceder que estivesses num dia normalíssimo, e nós todos, os outros que gostaram da fita, estarmos em dias de positivismo e "aceitação exacerbada". Mesmo que nos calhasse uma fita do Uwe Boll, sairíamos da sala a dizer que tínhamos vislumbrado as planícies paradisíacas da 7ª arte... )

[PanterA]

Gostei. Mas deixa-me triste, ou neste caso irritado, porque era o típico filme que podia gostar ainda mais. Está lá toda a essência, os preciosismos, o contexto, a filosofia, mas por vezes a narrativa parece que é demasiada in your face. Isto é, parece que nos obriga a ler as entrelinhas para tirar a mensagem à força. Não é fluida no sentido que não nos deixa absorver à nossa medida, como também parece que se sente ali um pouco a falta de profundidade. Algo muito soft que não mete o filme noutro patamar.

Outra coisa que também não me caiu muito bem foram as cenas com a filha. Ok, elas depois fizeram todo o sentido, mas até lá éramos bombardeados com aquilo, e a momentos até já inervava porque dava a sensação que estava a querer servir de pretexto para certas atitudes e caracterização da personagem. Deviam ter dado a volta de outra maneira para não tornar este arco tão massudo.

Contudo, não deixa de levantar perguntas bastante pertinentes como a percepção do tempo, e a minha preferida o livre-arbitrio. E quando o filme nos deixa pensar logo após a visualização e no dias depois, fez bem o seu trabalho apesar de tudo. Algo que também merece destaque para além da belíssima fotografia, foi a banda sonora a fazer lembrar as composições poderosas do Philip Glass no Qatsi trilogy.

7.5/10

@Rui Santos, o botão de spoiler está a clicar em falso. Para ver o que está lá escrito tive que citar cada um dos posts.

[hsintra]

Vi o filme apenas este fim de semana. Gostei do filme...mas...e há sempre um mas...também fiquei com aquela sensação agridoce de que o filme poderia ter sido muito melhor.
Sim, houve alguns aspectos nas linhas de tempo que me deixaram um pouco confuso, pelos factos já enunciados. também concordo com a teoria de que a Amy apenas era espectadora da sua linha temporal, não podendo intervir directamente.
O filme em si, em diversas partes fez-me lembrar outro filme, do qual na altura também gostei bastante, o Contacto.

Inclusive aquela parte de alguns militares (no outro era um fanático religioso), agindo sozinhos, queria rebentar com aquilo. As premissas têm algumas semelhanças, mas o potencial deste ainda era maior...acabaram por ficar em patamares semelhantes (apesar deste ter tido mais hype).

Também como já foi referido, o filme tinha todos os componentes para ser algo muito maior, e é isso que também me deixa irritado...o universo cinematográfico, aqui em concreto a ficção científica, tem desiludido imenso nos últimos tempos (não meto aqui o universo Star Wars ao barulho, já que, além de fã incondicional - o que iria deturpar a minha avaliação analítica - , não o coloco no mesmo ramo de ficção científica...sendo mais uma mistura de fantasia com a ficção científica), e aqui estava uma boa oportunidade para o mesmo se redimir...entendo que ficou pelo meio caminho. Caramba, ficção científica é um mundo sem fim de possibilidades, cujos limites são apenas a criatividade dos "escritores", realizadores, e mesmo assim, têm sido só tiros ao lado. Até mesmo aqueles que aproveitam obras já escritas (vejam o que fizeram ao "Ender's Game", é de desesperar, já para não falar no "Battlefield Earth", pior adaptação de um bom livro de ficção científica de sempre, ou mesmo o mais recente "Jupiter Ascending"), onde pouco havia para errar, foram desilusões. Um dia destes ainda gostaria de ver uma adpatação decente do Slaughterhouse 5 do Vonnegut, mas acho que isso é sonhar muito.
Concluindo, não foi, de todo, um filme mau...mas poderia ter sido muito melhor, o potencial era enorme. Esperemos que o Villeneuve esteja à altura do Blade Runner...e já agora, se corresponder mesmo à verdade, do Dune (os livros do Frank Herbert já mereciam algo em grande...se bem que, por diversas razões, não desgostei de todo da adapatção do Lynch, mas isso também pode ser o facto de ele ser um dos meus realizadores fétiche).

Nota: 7.5/10

[mansildv]

Um dia destes ainda gostaria de ver uma adpatação decente do Slaughterhouse 5 do Vonnegut, mas acho que isso é sonhar muito.

hsintra, não gostaste da adaptação de 1972? Acho que está muito bem conseguida!

[Rui Santos]

Vi o filme apenas este fim de semana. Gostei do filme...mas...e há sempre um mas...também fiquei com aquela sensação agridoce de que o filme poderia ter sido muito melhor.
...

Faço o Quote para receberes uma notificação :)
Coloquei um pequeno spoiler na tua review. Não é que seja um grande spoiler... mas acho melhor colocar a tag.
Há sempre a hipótese de alguém passar por aqui... e ler o tópico sem ver o filme.

[Samwise]

Um dia destes ainda gostaria de ver uma adpatação decente do Slaughterhouse 5 do Vonnegut, mas acho que isso é sonhar muito.

hsintra, não gostaste da adaptação de 1972? Acho que está muito bem conseguida!

Mansildv, leste o livro?

[mansildv]

Um dia destes ainda gostaria de ver uma adpatação decente do Slaughterhouse 5 do Vonnegut, mas acho que isso é sonhar muito.

hsintra, não gostaste da adaptação de 1972? Acho que está muito bem conseguida!

Mansildv, leste o livro?

Sim, vi o filme há cerca de 7 anos e já tinha lido o livro uns anos antes!
Samwise, não gostaste da adaptação?

[Samwise]

Samwise, não gostaste da adaptação?

Não vi ainda. Mais um para a lista. Não sei se fico contente ou preocupado - ou as duas.

[Rui Santos]

Uma parte da discussão deste tópico foi passada para: http://forum.dvdmania.org/viewtopic.php?f=11&t=51691